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Justiça do Paraná concede adoção a padrasto e destitui poder familiar do pai biológico
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Com base no melhor interesse, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJPR confirmou a adoção de uma menina de 11 anos pelo padrasto e destituiu o poder familiar do pai biológico. O entendimento é de que a adoção traria estabilidade emocional e jurídica.
Conforme consta nos autos, o padrasto já desempenhava funções paternas, mantendo laços afetivos sólidos com a criança, enquanto o genitor deixou de ter contato com a filha quando ela tinha quatro anos de idade.
Também foram constatadas negligências no dever de cuidado, causadas pela dependência química e posterior condenação criminal, que afastaram o convívio paterno-filial e configuraram abandono parental.
A decisão é do desembargador Eduardo Cambi, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Ele reconhece os benefícios da multiparentalidade, mas explica que a hipótese foi afastada com base no interesse superior da criança.
Eduardo Cambi esclarece que a adoção e a multiparentalidade não são institutos concorrentes, mas instrumentos jurídicos que devem servir ao melhor interesse da criança. “O perigo está justamente em tratar essas escolhas como meramente formais ou automáticas, sem considerar a realidade afetiva, social e psicológica da criança envolvida.”
“A adoção implica a substituição do vínculo jurídico anterior e o rompimento das relações com o pai biológico (e sua família: avós, tios, primos), o que pode ser necessário quando há abandono, negligência ou ausência de relação parental significativa. Já a multiparentalidade deve ser reconhecida sempre que coexistem vínculos afetivos verdadeiros com mais de um pai ou mãe — ou seja, quando há mais de uma pessoa efetivamente cuidando, amando, assistindo, educando e assumindo responsabilidades com a criança”, explica o especialista.
Para ele, o risco jurídico e social aparece quando se desconsidera essa complexidade e se apaga vínculos importantes, seja por manter um vínculo biológico vazio de afeto, seja por descartar injustamente uma figura parental que cumpre esse papel na prática. “Nesses casos, a imposição de um modelo único pode causar sofrimento, insegurança jurídica e desproteção emocional.”
“O vetor hermenêutico deve ser sempre o princípio da superioridade e o melhor interesse da criança. O importante, na identificação das relações familiares, é a verificação da afinidade e do afeto, e não a formalidade dos laços de sangue”, pontua Cambi.
Na visão do desembargador, “o Direito das Famílias contemporâneo exige do julgador uma escuta atenta, empatia e coragem para reconhecer as múltiplas formas de cuidado e de amor que constituem, de fato, uma família”.
“Esse olhar humanizado deve nortear todas as decisões judiciais envolvendo crianças e adolescentes. No fim das contas, mais do que um arranjo jurídico, o que está em jogo é o direito humano de cada criança de crescer cercada de amor, respeito e segurança emocional.”
Melhor interesse
Eduardo Cambi afirma que o critério mais relevante é a efetivação do princípio da superioridade e do melhor interesse da criança. “O Poder Judiciário tem entendido o poder familiar não como direito absoluto do pai biológico, mas um instrumento para garantir os direitos fundamentais da criança.”
“Quando há abandono afetivo, ausência prolongada e inércia do genitor, e, ao mesmo tempo, existe um vínculo afetivo verdadeiro e consolidado entre o padrasto e a criança, a adoção se torna não apenas possível, mas desejável. O Direito das Famílias contemporâneo precisa reconhecer essas realidades e proteger os laços construídos com base no afeto, na convivência e no cuidado diário”, pontua.
Ele acrescenta: “Mais do que laços biológicos, o que importa na identificação das relações familiares é a verificação concreta da afinidade e do afeto – a verdadeira base da parentalidade positiva e responsável”.
Multiparentalidade
O desembargador frisa que a multiparentalidade é, em regra, um instrumento de valorização dos vínculos afetivos e do princípio da dignidade da pessoa humana. No entanto, alerta: ela não é automática nem incondicional. “Pode não ser compatível com o melhor interesse da criança em situações em que a manutenção do vínculo com o pai biológico representa abandono, negligência ou instabilidade emocional.”
No caso analisado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, Cambi lembra que o pai biológico era ausente e não exercia nenhuma função parental. “Manter o vínculo jurídico com ele, ao lado do padrasto que efetivamente exerce a paternidade, não traria benefício algum à criança, pois esse laço formal era vazio de afeto, cuidado e convivência.”
“Nesses casos, a exclusão do genitor biológico e o reconhecimento da adoção pelo padrasto atende de forma mais adequada ao princípio do melhor interesse da criança, pois oferece estabilidade, pertencimento e proteção integral”, complementa.
Ainda conforme o desembargador, a multiparentalidade deve prevalecer quando mais de um pai ou de uma mãe querem verdadeiramente cuidar da criança, dedicar tempo à sua educação e assistência. “Quando há convivência positiva e esse arranjo familiar contribui para o desenvolvimento integral da criança, não há razão para que o Direito negue a possibilidade de reconhecer juridicamente esses vínculos.”
Socioafetividade
A decisão, segundo Eduardo Cambi, representa um marco no fortalecimento da parentalidade socioafetiva como expressão legítima e eficaz da paternidade no Direito brasileiro.
“Em termos práticos, esse entendimento também impulsiona uma cultura jurídica mais sensível à realidade das novas configurações familiares, promovendo um Direito de Família inclusivo, atento às vulnerabilidades e comprometido com a dignidade da pessoa humana em sua expressão mais cotidiana: o afeto.”
O desembargador vê a escuta especializada da criança como uma ferramenta essencial. “Em casos que envolvem adoção, destituição do poder familiar ou disputas parentais, essa escuta não é apenas recomendável — ela é um imperativo ético e jurídico, alinhado ao Estatuto da Criança e do Adolescente e à Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.”
“A criança não é o objeto do processo, mas sim a protagonista das preocupações e do reconhecimento dos direitos discutidos em juízo. Tudo deve ser feito em função de sua proteção e bem-estar. Respeitá-la é, antes de tudo, ouvi-la com atenção, buscar compreender seus afetos, suas dúvidas e contradições, ajudá-la a se entender e a se posicionar, para que ela não seja usada como instrumento de disputa ou vingança entre adultos, mas tratada com respeito e dignidade”, conclui.
Por Débora Anunciação
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